Sunday, June 21, 2009

Sapolsky e o pensamento metamágico

Depois de ver esta aula de Robert Sapolsky, vêm-me à cabeça alguns exemplos de fenómenos religiosos relativamente recentes que se enquadram perfeitamente na sua proposta de análise.

A disfunção esquizotípica de personalidade (DEP, tradução livre do inglês) é uma disfunção de personalidade caracterizada pela necessidade de isolamento social, comportamento estranho e uma tendência marcada para um tipo de pensamente denominado “metamágico”. Este tipo pensamento tem por base um conjunto de crenças estranhas em relação à realidade, normalmente associadas à magia, ao paranormal, à religião ou à ficção científica, e que acabam por influenciar e conduzir o comportamento dos indivíduos afectados. Muitas das vezes, há também um discuso metafórico e estereotipado e uma mentalidade conspirativa ou paranóica. Tudo isto em pessoas que são em tudo o resto normais, que conseguem manter um emprego, votar e conduzir veículos motorizados! Obviamente que na DEP, como em muitas das afectações mentais, existe um gradiente de gravidade. A DEP é uma versão “super-light”, ou o “correspondente heterozigótico” da esquizofrenia, não havendo manifestações tão severas mas sim controladas e contextualizadas.

Qual é então a origem das DEP e como é que os indivíduos afectados co-existem em sociedade? Vários estudos antropológicos mostraram a existência contínua de uma categoria de pessoas “meio-doidas” em todas as culturas humanas. São eles os curandeiros, os espíritas, ou os shamans. São indivíduos que ganham a vida sendo “metamágicos” nas alturas correctas, num contexto social preciso. São eles que falam com os mortos, ou que comunicam com os deuses por razões ritualísticas. O mesmo tipo de episódio, mas surgindo nas “situações erradas” normalmente definem o esquizofrénico e não existe espaço para eles nem nas sociedades tradicionais nem nas contemporâneas. Não deixa contudo de ser engraçado que, ao contrário dos esquizofrénicos, estes indivíduos com um tipo metamágico de pensamento apareçam muitas vezes entre os mais poderosos e bem sucedidos membros da sociedade, gozando de um estatuto que os torna bastante bem sucedidos mesmo ao nivel reprodutivo.

Penso que todos aceitarão que se eu aqui declarar que falo com pessoas mortas, com a virgem Maria ou com Deus isso será um sinal preocupante da minhas saúde mental. No entanto, relatos deste tipo contituem a espinha dorsal da maioria das crenças religiosas. Virgens que dão à luz, mortos de ressuscitam, serpentes que enganam pessoas… quem inventou toda esta mitologia? Não se tratou concerteza de decisões tomadas em grandes reuniões, mas sim (como Sapolsky defende) de invenções de esquizótipos extremamente influentes na história das diversas crenças. Líderes religiosos, que por si mesmos inventaram a teologia ou a ampliaram, como Jesus, S. Paulo, Lutero ou em Portugal, Lúcia.

Lúcia é um exemplo clássico de DEP. Um pensamento altamente metamágico, com visões constantes (mais uma vez nas alturas certas), uma total ausência e mesmo uma aversão ao contacto social, mas uma personalidade carismática que consegui convencer milhares de pessoas que estava a ver uma virgem fumegante em cima de uma azinheira. Nesse aspecto Lúcia é alguém que marcou indelevelmente a religião Católica, e é um exemplo de como alguém com DEP consegue fugir ao estigma de sofrer uma doença mental, para passar a ser alguém que molda as dinâmicas de toda uma sociedade. Quanto aos seus compinchas, como crianças que eram, foram influenciados, embora nunca conseguissem ter a mesmas visões que Lúcia.

Embora não seja totalmente original, Sapolsky é o primeiro que tenta avançar uma explicação para a vantagem evolutiva deste tipo social, que é uma constante ao longo de toda a história humana e que está presente em todas as culturas. Seria interessante no entanto alguém fazer um estudo aprofundado sobre este tipo de fenómenos, principalmente em Portugal onde os estudos sociológicos/antropológicos deste tipo não abundam. Como é óbvio não consigo tocar neste artigo todos os pontos que o autor alcança no vídeo, por isso aconselho vivamente que o vejam.

Deixo-vos ainda uma das suas frases acerca da origem das religiões, absolutamente deliciosa. Referindo-se aos episódios paranóicos de alguns indivíduos esquizofrénicos ou esquizotípicos:

“Get it wrong, and we call it a cult. Get it right, and maybe, for the next few millennia, people won’t have to go to work on your birthday.”

Sapolsky é actualmente professor de Ciências Biológicas e Neurológicas na Universidade de Stanford nos EUA. Embora criado numa família devota de Judeus Ortodoxos, Sapolsky é Ateu.


Texto publicado em paralelo no Portal Ateu

Friday, June 12, 2009

Parte dois, o centenário



Que a doutrinação (religiosa) de crianças é um abuso cometido um pouco por todo o mundo, desde as madrassas na fronteira Afeganistão-Paquistão até à simples e inocente catequese no mundo Ocidental, já todos sabemos. Incutar este tipo de coisas que apresento de seguida em mentes muito jovens sempre foi um dos fortes das religiões, que assim domesticam muito fiel desde a tenra idade.

Depois do fantástico artigo da semana passada, aparece este.

«Uma das mais singulares peregrinações ao Santuário de Fátima, a Peregrinação das Crianças, sempre em 9 e 10 de Junho, propõe neste ano de 2009, o exemplo de vida do pequeno vidente de Fátima, Francisco Marto, às crianças de todo o mundo (…) “Os puros de coração verão a Deus” foi escolhido o lema da Peregrinação, que sintetiza o anseio a que exorta o nono mandamento da Lei de Deus e também a vida do Beato Francisco: “Quero ter um coração bonito”

É dito que o tema da peregrinação vai ao encontro do 9º Mandamento: “Guardar castidade nos pensamentos e nos desejos”, coisa que grande parte destas crianças ainda não deverá entender muito bem, provavelmente. Não querem educação sexual nas escolas mas saem-se com cada uma…

Quem vá ao site de Fátima, encontra o seguinte:

«Em continuidade com a Peregrinação das Crianças de 2008, ocasião em que se deu início às celebrações do 100.º aniversário do nascimento do beato Francisco Marto (11 de Junho de 1908), a Peregrinação das Crianças de 2009 pretende ser, nas palavras da Comissão Organizadora, “uma grande festa de aniversário, para a qual o pastorinho Francisco convida todos os seus amigos e amigas a estarem presentes!”

Sugestão: 30 km de caminhada com os últimos 500 m efectuados de joelhos, mas com a presença de um palhaço, doces e bolo de anos ornamentado com as velas locais.

E para conseguir encontrar os amigos de Francisco Marto é melhor começar pelos lares de idosos da zona.

Mas o que é que uma criança pensará de um jovem que morreu com a tenra idade de 11 anos, provavelmente por causa de uma pandemia de gripe agravada com os jejuns e demais auto-sacrifícios a que se submeteu na altura, para “salvar a alma dos pecadores”? Sabe-se lá! Mas isto é passado como se fosse algo de muito especial.

E não deixam de incentivar a criatividade:

«Em carta enviada no final de Fevereiro aos colégios católicos e catequeses de Portugal, o Reitor do Santuário de Fátima, Padre Virgílio Antunes, desafia as crianças, com a colaboração dos seus professores, catequistas e familiares, a prepararem a festa dedicada a Francisco Marto (…) Depois de o terem conhecido um pouco mais, é sugerido que as crianças preparem um presente para oferecer ao pequeno Vidente de Fátima, que será trazido ao Santuário no dia da Peregrinação.»

Mas o pior ainda está para vir. No site referido, está um documento (Sabes quem é o pastorinho Francisco Marto?) muito interessante para download. Uma espécie de histórias de (des)encantar sobre os pastorinhos de onde retiro os seguintes excertos:

“Excertos das Memórias da Irmã Lúcia sobre Francisco Marto Por ocasião do centenário do seu nascimento”

1- «Aquela Senhora disse-nos para rezarmos o Terço e fazermos sacrifícios pela conversão dos pecadores. Agora, quando rezarmos o Terço, temos que rezar a Ave Maria e o Padre Nosso inteiro. E os sacrifícios como os havemos de fazer?

O Francisco discorreu em breve um bom sacrifício: – Demos a nossa merenda às ovelhas e fazemos o sacrifício de não merendar!»

2- «A Jacinta, debilitada pela fraqueza e pela sede, disse-me, com aquela simplicidade que lhe era habitual: – Diz aos grilos e às rãs que se calem! Dói-me tanto a minha cabeça!

Então, o Francisco perguntou-lhe: – Não queres sofrer isto pelos pecadores?!

A pobre criança, apertando a cabeça entre as mãozinhas, respondeu: – Sim, quero. Deixa-as cantar.»

3- «O Francisco era mais calado. (…) Na sua doença, sofria com uma paciência heróica, sem nunca deixar escapar um gemido, nem a mais leve queixa. Perguntei-lhe, um dia, pouco antes dele morrer: – Francisco,sofres muito?

Sim; mas sofro tudo por amor de Nosso Senhor e de Nossa Senhora. (…)

Assim chegou ao dia feliz de partir para o Céu. Na véspera, disse(-me) a mim e à sua irmãzinha: – Vou para o Céu, mas lá hei-de pedir muito a Nosso Senhor e a Nossa Senhora que as levem também para lá, depressa.»

Isto é deprimente! Mas como é que isto é apresentado, perguntam?

«Neste 100º aniversário do nascimento do beato Francisco Marto, apresentamos o seu exemplo de vida às crianças de todo o mundo, como modelo a seguir. »

E depois ainda se admiram que se goze com isto?


Rui Janeiro

Via www.portalateu.com

Sunday, June 7, 2009

La cosa Berlusconi

No veo qué otro nombre le podría dar. Una cosa peligrosamente parecida a un ser humano, una cosa que da fiestas, organiza orgías y manda en un país llamado Italia. Esta cosa, esta enfermedad, este virus amenaza con ser la causa de la muerte moral del país de Verdi si un vómito profundo no consigue arrancarlo de la conciencia de los italianos antes de que el veneno acabe corroyéndole las venas y destrozando el corazón de una de las más ricas culturas europeas. Los valores básicos de la convivencia humana son pisoteados todos los días por las patas viscosas de la cosa Berlusconi que, entre sus múltiples talentos, tiene una habilidad funambulesca para abusar de las palabras, pervirtiéndoles la intención y el sentido, como en el caso del Pueblo de la Libertad, que así se llama el partido con que asaltó el poder. Le llamé delincuente a esta cosa y no me arrepiento. Por razones de naturaleza semántica y social que otros podrán explicar mejor que yo, el término delincuente tiene en Italia una carga negativa mucho más fuerte que en cualquier otro idioma hablado en Europa. Para traducir de forma clara y contundente lo que pienso de la cosa Berlusconi utilizo el término en la acepción que la lengua de Dante le viene dando habitualmente, aunque sea más que dudoso que Dante lo haya usado alguna vez. Delincuencia, en mi portugués, significa, de acuerdo con los diccionarios y la práctica corriente de la comunicación, "acto de cometer delitos, desobedecer leyes o patrones morales". La definición asienta en la cosa Berlusconi sin una arruga, sin una tirantez, hasta el punto de parecerse más a una segunda piel que la ropa que se pone encima. Desde hace años la cosa Berlusconi viene cometiendo delitos de variable aunque siempre demostrada gravedad. Para colmo, no es que desobedezca leyes, sino, peor todavía, las manda fabricar para salvaguarda de sus intereses públicos y privados, de político, empresario y acompañante de menores, y en cuanto a los patrones morales, ni merece la pena hablar, no hay quien no sepa en Italia y en el mundo que la cosa Berlusconi hace mucho tiempo que cayó en la más completa abyección. Éste es el primer ministro italiano, ésta es la cosa que el pueblo italiano dos veces ha elegido para que le sirva de modelo, éste es el camino de la ruina al que, por arrastramiento, están siendo llevados los valores de libertad y dignidad que impregnaron la música de Verdi y la acción política de Garibaldi, esos que hicieron de la Italia del siglo XIX, durante la lucha por la unificación, una guía espiritual de Europa y de los europeos. Es esto lo que la cosa Berlusconi quiere lanzar al cubo de la basura de la Historia. ¿Lo acabarán permitiendo los italianos?

José Saramago no El País

Monday, June 1, 2009



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