Sunday, August 9, 2009
Sunday, June 21, 2009
Sapolsky e o pensamento metamágico
Depois de ver esta aula de Robert Sapolsky, vêm-me à cabeça alguns exemplos de fenómenos religiosos relativamente recentes que se enquadram perfeitamente na sua proposta de análise.
A disfunção esquizotípica de personalidade (DEP, tradução livre do inglês) é uma disfunção de personalidade caracterizada pela necessidade de isolamento social, comportamento estranho e uma tendência marcada para um tipo de pensamente denominado “metamágico”. Este tipo pensamento tem por base um conjunto de crenças estranhas em relação à realidade, normalmente associadas à magia, ao paranormal, à religião ou à ficção científica, e que acabam por influenciar e conduzir o comportamento dos indivíduos afectados. Muitas das vezes, há também um discuso metafórico e estereotipado e uma mentalidade conspirativa ou paranóica. Tudo isto em pessoas que são em tudo o resto normais, que conseguem manter um emprego, votar e conduzir veículos motorizados! Obviamente que na DEP, como em muitas das afectações mentais, existe um gradiente de gravidade. A DEP é uma versão “super-light”, ou o “correspondente heterozigótico” da esquizofrenia, não havendo manifestações tão severas mas sim controladas e contextualizadas.
Qual é então a origem das DEP e como é que os indivíduos afectados co-existem em sociedade? Vários estudos antropológicos mostraram a existência contínua de uma categoria de pessoas “meio-doidas” em todas as culturas humanas. São eles os curandeiros, os espíritas, ou os shamans. São indivíduos que ganham a vida sendo “metamágicos” nas alturas correctas, num contexto social preciso. São eles que falam com os mortos, ou que comunicam com os deuses por razões ritualísticas. O mesmo tipo de episódio, mas surgindo nas “situações erradas” normalmente definem o esquizofrénico e não existe espaço para eles nem nas sociedades tradicionais nem nas contemporâneas. Não deixa contudo de ser engraçado que, ao contrário dos esquizofrénicos, estes indivíduos com um tipo metamágico de pensamento apareçam muitas vezes entre os mais poderosos e bem sucedidos membros da sociedade, gozando de um estatuto que os torna bastante bem sucedidos mesmo ao nivel reprodutivo.
Penso que todos aceitarão que se eu aqui declarar que falo com pessoas mortas, com a virgem Maria ou com Deus isso será um sinal preocupante da minhas saúde mental. No entanto, relatos deste tipo contituem a espinha dorsal da maioria das crenças religiosas. Virgens que dão à luz, mortos de ressuscitam, serpentes que enganam pessoas… quem inventou toda esta mitologia? Não se tratou concerteza de decisões tomadas em grandes reuniões, mas sim (como Sapolsky defende) de invenções de esquizótipos extremamente influentes na história das diversas crenças. Líderes religiosos, que por si mesmos inventaram a teologia ou a ampliaram, como Jesus, S. Paulo, Lutero ou em Portugal, Lúcia.
Lúcia é um exemplo clássico de DEP. Um pensamento altamente metamágico, com visões constantes (mais uma vez nas alturas certas), uma total ausência e mesmo uma aversão ao contacto social, mas uma personalidade carismática que consegui convencer milhares de pessoas que estava a ver uma virgem fumegante em cima de uma azinheira. Nesse aspecto Lúcia é alguém que marcou indelevelmente a religião Católica, e é um exemplo de como alguém com DEP consegue fugir ao estigma de sofrer uma doença mental, para passar a ser alguém que molda as dinâmicas de toda uma sociedade. Quanto aos seus compinchas, como crianças que eram, foram influenciados, embora nunca conseguissem ter a mesmas visões que Lúcia.
Embora não seja totalmente original, Sapolsky é o primeiro que tenta avançar uma explicação para a vantagem evolutiva deste tipo social, que é uma constante ao longo de toda a história humana e que está presente em todas as culturas. Seria interessante no entanto alguém fazer um estudo aprofundado sobre este tipo de fenómenos, principalmente em Portugal onde os estudos sociológicos/antropológicos deste tipo não abundam. Como é óbvio não consigo tocar neste artigo todos os pontos que o autor alcança no vídeo, por isso aconselho vivamente que o vejam.
Deixo-vos ainda uma das suas frases acerca da origem das religiões, absolutamente deliciosa. Referindo-se aos episódios paranóicos de alguns indivíduos esquizofrénicos ou esquizotípicos:
“Get it wrong, and we call it a cult. Get it right, and maybe, for the next few millennia, people won’t have to go to work on your birthday.”
Sapolsky é actualmente professor de Ciências Biológicas e Neurológicas na Universidade de Stanford nos EUA. Embora criado numa família devota de Judeus Ortodoxos, Sapolsky é Ateu.
Texto publicado em paralelo no Portal Ateu
Friday, June 12, 2009
Parte dois, o centenário
Que a doutrinação (religiosa) de crianças é um abuso cometido um pouco por todo o mundo, desde as madrassas na fronteira Afeganistão-Paquistão até à simples e inocente catequese no mundo Ocidental, já todos sabemos. Incutar este tipo de coisas que apresento de seguida em mentes muito jovens sempre foi um dos fortes das religiões, que assim domesticam muito fiel desde a tenra idade.
Depois do fantástico artigo da semana passada, aparece este.
«Uma das mais singulares peregrinações ao Santuário de Fátima, a Peregrinação das Crianças, sempre em 9 e 10 de Junho, propõe neste ano de 2009, o exemplo de vida do pequeno vidente de Fátima, Francisco Marto, às crianças de todo o mundo (…) “Os puros de coração verão a Deus” foi escolhido o lema da Peregrinação, que sintetiza o anseio a que exorta o nono mandamento da Lei de Deus e também a vida do Beato Francisco: “Quero ter um coração bonito”.»
É dito que o tema da peregrinação vai ao encontro do 9º Mandamento: “Guardar castidade nos pensamentos e nos desejos”, coisa que grande parte destas crianças ainda não deverá entender muito bem, provavelmente. Não querem educação sexual nas escolas mas saem-se com cada uma…
Quem vá ao site de Fátima, encontra o seguinte:
«Em continuidade com a Peregrinação das Crianças de 2008, ocasião em que se deu início às celebrações do 100.º aniversário do nascimento do beato Francisco Marto (11 de Junho de 1908), a Peregrinação das Crianças de 2009 pretende ser, nas palavras da Comissão Organizadora, “uma grande festa de aniversário, para a qual o pastorinho Francisco convida todos os seus amigos e amigas a estarem presentes!”.»
Sugestão: 30 km de caminhada com os últimos 500 m efectuados de joelhos, mas com a presença de um palhaço, doces e bolo de anos ornamentado com as velas locais.
E para conseguir encontrar os amigos de Francisco Marto é melhor começar pelos lares de idosos da zona.
Mas o que é que uma criança pensará de um jovem que morreu com a tenra idade de 11 anos, provavelmente por causa de uma pandemia de gripe agravada com os jejuns e demais auto-sacrifícios a que se submeteu na altura, para “salvar a alma dos pecadores”? Sabe-se lá! Mas isto é passado como se fosse algo de muito especial.
E não deixam de incentivar a criatividade:
«Em carta enviada no final de Fevereiro aos colégios católicos e catequeses de Portugal, o Reitor do Santuário de Fátima, Padre Virgílio Antunes, desafia as crianças, com a colaboração dos seus professores, catequistas e familiares, a prepararem a festa dedicada a Francisco Marto (…) Depois de o terem conhecido um pouco mais, é sugerido que as crianças preparem um presente para oferecer ao pequeno Vidente de Fátima, que será trazido ao Santuário no dia da Peregrinação.»
Mas o pior ainda está para vir. No site referido, está um documento (Sabes quem é o pastorinho Francisco Marto?) muito interessante para download. Uma espécie de histórias de (des)encantar sobre os pastorinhos de onde retiro os seguintes excertos:
“Excertos das Memórias da Irmã Lúcia sobre Francisco Marto Por ocasião do centenário do seu nascimento”
1- «Aquela Senhora disse-nos para rezarmos o Terço e fazermos sacrifícios pela conversão dos pecadores. Agora, quando rezarmos o Terço, temos que rezar a Ave Maria e o Padre Nosso inteiro. E os sacrifícios como os havemos de fazer?
O Francisco discorreu em breve um bom sacrifício: – Demos a nossa merenda às ovelhas e fazemos o sacrifício de não merendar!»
2- «A Jacinta, debilitada pela fraqueza e pela sede, disse-me, com aquela simplicidade que lhe era habitual: – Diz aos grilos e às rãs que se calem! Dói-me tanto a minha cabeça!
Então, o Francisco perguntou-lhe: – Não queres sofrer isto pelos pecadores?!
A pobre criança, apertando a cabeça entre as mãozinhas, respondeu: – Sim, quero. Deixa-as cantar.»
3- «O Francisco era mais calado. (…) Na sua doença, sofria com uma paciência heróica, sem nunca deixar escapar um gemido, nem a mais leve queixa. Perguntei-lhe, um dia, pouco antes dele morrer: – Francisco,sofres muito?
– Sim; mas sofro tudo por amor de Nosso Senhor e de Nossa Senhora. (…)
Assim chegou ao dia feliz de partir para o Céu. Na véspera, disse(-me) a mim e à sua irmãzinha: – Vou para o Céu, mas lá hei-de pedir muito a Nosso Senhor e a Nossa Senhora que as levem também para lá, depressa.»
Isto é deprimente! Mas como é que isto é apresentado, perguntam?
«Neste 100º aniversário do nascimento do beato Francisco Marto, apresentamos o seu exemplo de vida às crianças de todo o mundo, como modelo a seguir. »
E depois ainda se admiram que se goze com isto?
Rui Janeiro
Via www.portalateu.com
Sunday, June 7, 2009
La cosa Berlusconi
Monday, June 1, 2009
Wednesday, May 27, 2009
Isto é...uma bomba atómica…
Sunday, April 19, 2009
Tuesday, April 14, 2009
Numa altura em que Obama surge como uma lufada de ar fresco na América, no que toca ao tratamento das questões religiosas, surgem movimentações preocupantes e retrógradas na Europa. Tem vindo a crescer uma corrente de apoio à candidatura de Tony Blair a presidente da Comissão Europeia, isto na altura em que o Blair se tornou um evangelista da fé.
Ainda há cerca de um mês num artigo publicado online pela New Statesman, Tony Blair finalmente revela todo o seu fanatismo religioso. Perfeitamente deslumbrado pelo poder das religiões no mundo, Tony Blair assume pela primeira vez que a sua fé (católica) foi sempre uma parte importante da sua política. Em 2007, altura que saiu de Downing Street, Blair converteu-se ao catolicismo - renunciando à Igreja Anglicana - e tem revelado em doses crescentes a importância da religião no seu pensamento político.
Mais preocupante do que isto, são as propostas que o Sr. Blair e a sua fundação têm para a resolução dos problemas que a religião causa no mundo: resumindo em duas palavras, MAIS RELIGIÃO:
Tony, que pôr as 6 principais religiões a dialogar, e a respeitar-se mutuamente. Para isto criou um programa inter-religioso de distribuição de redes mosquiteiras para evitar o contágio por malária. De certeza que o próximo passo, depois de irradicar a malária será o HIV. Qual será então a estratégia? Suponho que podemos esquecer a distribuição de preservativos ou a educação sexual.
Tony, quer fazer uma espécie de intercâmbio religioso entre crianças de várias fés (como se isso existisse), mostrando-lhes que existem outras crianças com crenças tão inacreditáveis como as suas, mas igualmente verdadeiras!
Por último Tony, quer criar uma movimento intelectual, apoiado num curso multi-universitário, em que se explorará a relação entre a religião, a economia, a sociedade e a política, e como as grandes fés religiosas poderão contribuir para moralizar o sistema capitalista numa altura de crise financeira. Se isto não é um programa político no mínimo assustador, então não sei o que será.
Há quem louve a inteligência do senhor Blair, mas este artigo é uma prova em contrário e mostra uma enorme displicência em relação aos reais desafios que um mundo multi-religioso apresenta.
Convido-os a ler o artigo por inteiro, porque é completamente esclaredor. Pessoalmente o que mais me assusta, é a ingenuidade deste homem, que nos últimos anos tomou decisões que mudaram o curso da história e que não se apercebe que estes foram precipitadas por actos bárbaros praticados em nome da religião. E é assim há milhares de anos!
Why we must all do God, Tony Blair
A sua participação no Daily Show em 2008, altura em que começou a lecionar uma cadeira de fé e globalização é também bastante interessante!!! As reacções pueris dele às perguntas de John Stewart são reveladoras de uma total incapacidade para explicar algumas das decisões que tomou. parte 1; parte 2
Ao artigo de Blair, Richard Dawkins respondeu com bastante humor e inteligência, publicando também um artigo na Newsweek, em que deixa a nu a completa infantilidade das propostas de Blair.
The Tony Blair Foundation, Richar Dawkins
Sunday, April 12, 2009
Só no outro dia pude ver a entrevista que o neurocientista António Damásio deu à RTP. Foi bastante interessante (mais as respostas de Damásio do que as perguntas de Judite de Sousa) mas destaco para este artigo uma pergunta em especial que reflete uma crença vigente na nossa sociedade: a de que existem pessoas que tomam decisões eminentemente racionais e outras eminentemente emocionais. Este foi o “erro” que Damásio assacou a Descartes, mas é algo que ainda não faz parte do tecido cultural desta sociedade, que tende para a relativização de todo o conhecimento científico. Toda e qualquer decisão é percentualmente formada de razão e de emoção e assim não há “pessoas racionais” ou “pessoas emocionais”.
Os ateus (e também os cientistas) são normalmente catalogados pelos religiosos como máquinas frias de racionalidade, a quem a contemplação do belo não podem senão aborrecer e que dariam tudo para extirpar qualquer resquício de emoção do mundo. Não é bem assim e vá-se lá saber porquê! A racionalidade defendida por mim enquanto ateu, é a de aplicar o máximo de vezes possível, o crivo da prova e da demonstração científica à informação que vou recebendo. É com ela que me movo no mundo e que tomo decisões…convém que seja verdadeira.E daí, o facto de saber que somos um primata resultante da evolução dos sistemas vivos no planeta, e de conhecer os mecanismos básicos que regem a nossa fisiologia e o nosso comportamento, não retira qualquer da admiração que sinto pela vida e pelo universo. Não lhe retira qualquer beleza.
A demonização do conhecimento é de facto uma das estratégias de sobrevivência das religiões, e é um dos motivos que levam hoje à despromoção do conhecimento científico a nada mais do que uma “maneira de olhar para as coisas tão válida como outra qualquer”. Seja qual for o prisma que se escolha para analisar a crença religiosa, é claro que esta está imiscuída de imoralidades quer nas acções quer nos conceitos.
Os cientistas e os ateus também são seres humanos e temos todos basicamente as mesmas ferramentas emocionais, que são inseparáveis da inteligência. A vida de um ateu, não é mais pobre emocionalmente do que a de um cristão mas talvez seja mais verdadeira. Como Edward Gibbons escreveu, referindo-se às religiões no mundo romano, elas eram « consideradas igualmente verdadeiras pelo povo, igualmente falsas pelos filósofos, e igualmente úteis pelos poderosos.»