Não sei bem o que é esta coisa do amor nem faço caso. Sei que é disléxico e se não se importam vou indo. O amor é disléxico sim, porque nos obriga a dizer o que não queremos dizer e fazer o que não queremos fazer. Eu, por exemplo, não queria escrever isto e olhem só o que para aqui faço. O amor baralha tudo, ouçam o que vos digo. E muda tudo, como se tivéssemos um filho. As pessoas que têm um filho dizem-me sempre “ um filho muda tudo” e eu invariavelmente lhes respondo: “ O amor também”.
O amor mudou-me muito e fez de mim mais homenzinho do que a tropa. Foi o amor que me fez homem, não as 100 flexões seguidas. Foi o amor que me ensinou o meu nome e não o sargento a debitá-lo alto. Foi o amor que me acordou cedo para o dia e não os passos firmes que diziam que eu só tinha 5 minutos. Eu quero ter mais de 5 minutos para me levantar e pôr-me lá fora que está frio. E o amor tem-nos, embora o frio permaneça. E eu nunca tenha ido à tropa.
O amor é disléxico porque nos faz esquecer qualquer construção perifrástica. Sobram-nos algumas vogais para entreter, mas é sempre muito pouco. Quando amamos muito regredimos imenso e damos por nós com tão poucas palavras, que por vezes parece que estamos a jogar ao pictionary, com a pessoa a adivinhar o que quererá dizer cada um dos nossos gestos. É um animal esse desenho aí? Gostas de mim, é isso? E nós, com cara de quem acaba de aceitar comer um belíssimo prato de Nestum Mel, lá vamos dizendo que sim com a cabeça enquanto soluçamos.
Não há muitas palavras para o amor e por isso, mesmo entre aqueles que se dedicam à escrita, percebe-se muito bem quem são os que sentem mais isto. São os que escrevem menos. As pessoas que amam muito, escrevem pouquíssimo e quando escrevem, normalmente optam por um poema porque é mais pequenito e tem menos palavras. Os poetas amam mais por isto. Olha-se para um poeta e vê-se que o indivíduo sofre para escrever aquilo. Um poeta ama sempre caramba, um escritor só às vezes. Convenhamos, olha-se para um escritor e não é a mesma coisa. A esta altura já alguns estarão a dizer que um poeta e um escritor vão dar ao mesmo e a esses lhes digo: Não me lixem! Eu, que nunca fiz um poema da mesma forma que nunca fui à tropa, nem nunca ouvi o meu nome vociferado pelo sargento, nem nunca me levantei em apenas 5 minutos que era assim que o meu pai me contava que se fazia. Eu, que não sei nada disso, sei no entanto que não se pode ligar para um poeta e dizer-lhe “ oh Herberto, faz-me aí um poema porreiro para o jornal de amanhã!” como muitas vezes acontece com a malta dos caracteres onde eu me incluo. Eu acabo de perfazer os meus e de assim vos servir, no total, 2668. Bom apetite.
Fernando Alvim
in http://www.esperobemquenao.blogspot.com/
O amor mudou-me muito e fez de mim mais homenzinho do que a tropa. Foi o amor que me fez homem, não as 100 flexões seguidas. Foi o amor que me ensinou o meu nome e não o sargento a debitá-lo alto. Foi o amor que me acordou cedo para o dia e não os passos firmes que diziam que eu só tinha 5 minutos. Eu quero ter mais de 5 minutos para me levantar e pôr-me lá fora que está frio. E o amor tem-nos, embora o frio permaneça. E eu nunca tenha ido à tropa.
O amor é disléxico porque nos faz esquecer qualquer construção perifrástica. Sobram-nos algumas vogais para entreter, mas é sempre muito pouco. Quando amamos muito regredimos imenso e damos por nós com tão poucas palavras, que por vezes parece que estamos a jogar ao pictionary, com a pessoa a adivinhar o que quererá dizer cada um dos nossos gestos. É um animal esse desenho aí? Gostas de mim, é isso? E nós, com cara de quem acaba de aceitar comer um belíssimo prato de Nestum Mel, lá vamos dizendo que sim com a cabeça enquanto soluçamos.
Não há muitas palavras para o amor e por isso, mesmo entre aqueles que se dedicam à escrita, percebe-se muito bem quem são os que sentem mais isto. São os que escrevem menos. As pessoas que amam muito, escrevem pouquíssimo e quando escrevem, normalmente optam por um poema porque é mais pequenito e tem menos palavras. Os poetas amam mais por isto. Olha-se para um poeta e vê-se que o indivíduo sofre para escrever aquilo. Um poeta ama sempre caramba, um escritor só às vezes. Convenhamos, olha-se para um escritor e não é a mesma coisa. A esta altura já alguns estarão a dizer que um poeta e um escritor vão dar ao mesmo e a esses lhes digo: Não me lixem! Eu, que nunca fiz um poema da mesma forma que nunca fui à tropa, nem nunca ouvi o meu nome vociferado pelo sargento, nem nunca me levantei em apenas 5 minutos que era assim que o meu pai me contava que se fazia. Eu, que não sei nada disso, sei no entanto que não se pode ligar para um poeta e dizer-lhe “ oh Herberto, faz-me aí um poema porreiro para o jornal de amanhã!” como muitas vezes acontece com a malta dos caracteres onde eu me incluo. Eu acabo de perfazer os meus e de assim vos servir, no total, 2668. Bom apetite.
Fernando Alvim
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